Vou fazer uns pães de queijo.
Bah, não tem queijo.
Mas tu não foi ao mercado?
Fui...
Silêncio.
Tu não compra nada que não esteja na lista?
Não.
Entendi boa parte da vida nesta pérola da crônica familiar, que deve ser realidade em muitos lares brasileiros. E é. Homens num geral não vivem realmente nos lugares que habitam, consideram-nos hotéis, um respiro onde comem, dormem e passam um pouco de tempo inertes, antes de voltar ao que de fato interessa: construir prédios, gerenciar guerras, fabricar cerveja artesanal, proibir mulheres de abortarem, dominar a política, etc. Mesmo que queiram ardentemente uma fatia de queijo mais tarde. É claro que há exceções (eu sei que nem todo homem, fica na paz de Santa Cher aí, irmãozinho), provavelmente os que moram sozinhos e se obrigam a pensar sobre trivialidades da casa, afinal, ninguém fará por eles. Entretanto, em se tratando de famílias formadas por casais heterossexuais com filhos, algo muito forte me diz que o diálogo acima se repete mais que fornadas de pães.
Há um tempo, li por aí na web uma tirinha que se assemelha ao episódio acima - não vou reproduzi-la no post, mas vocês podem ler tudinho aqui. Ela mostra muito o porquê de mulheres e donas de casa se sentirem exaustas boa parte de seus dias: não é como se elas apreciassem serem neuróticas e controlarem tudo dentro de seus domicílios; elas simplesmente não têm escolha. Ainda que ambos, papai e mamãe, trabalhem, estudem, tenham suas obrigações sociais, somente mamãe estará pensando no xarope de tosse cuja validade expirou, na salada de alface pro almoço de amanhã, no papel higiênico que acabou e sem o qual todas as bundas ficarão cagadas no feriado - acreditem, se dependerem da sensibilidade do papai em ver que o item acabou, as bundas perecerão sem socorro. A fulana ficou sem queijo, ainda que ciclano tenha aberto a geladeira trocentas vezes antes do gran finale - trata-se simplesmente da desobrigação de envolvimento com o meio em que se vive e isso nada tem a ver com predisposições biológicas, é só algo ensinado e introjetado desde a tenra idade.
Homens se desobrigam de pensar - não por serem maus, mas porque uma estrutura de privilégios os cerca e os deixa confortáveis (quem aqui já não riu com postagens do tipo ''é isso que acontece quando os filhos ficam com o pai em casa''? - corta para a cena: tudo de pernas pro ar e brincadeirinhas zoeiras e criativas, afinal, papai é tão zoeiro awn e mamãe é tão mala aff). E por isso a maioria das mulheres que vocês conhecem estão sempre estafadas mentalmente, à beira de um ataque de nervos, pois pensam demais, esquematizam demais, se preocupam com tudo. Cargas mentais desiguais ligam-se intimamente a relações de poder desiguais. Era só ter pedido ajuda. Era só ter colocado na lista. Era só me falar o que é para fazer. Ao proferir tais frases, há um entendimento de quem está por trás do serviço todo e de quem é a vítima da confusão que, oras, não foi alertada da parte que lhe cabia. Ter que apontar para o óbvio, algo que nos foi ensinado a enxergar desde sempre, é a maior das estafas.
Auxiliou no post: Belle and Sebastian
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