Lá vamos nós de novo. Acabei lendo uma entrevista de uma socióloga que afirma não existir o tal instinto materno. Polêmica à vista. Aí eu gosto, porque polemizar - dependendo do assunto - nem sempre é gastar energia de graça. Muitas vezes é simplesmente pensar fora da caixa. Que delícia, vocês deveriam experimentar.
A israelense Orna Donath, em seu recém lançado livro Regretting Motherhood, entrevistou 23 mães que se arrependem de terem tido filhos. Chocados? Que nada, isso deve ser mais comum do que pensamos. E amor não tem nada a ver com a questão. Estou convicta de que se pode amar imensamente um ser, e ter ojeriza à relação e às circunstâncias tidas com esse ser. É claro que se perguntarmos a nossas mães se elas se arrependem da concepção, as coitadas vão desfiar um rosário dizendo que é uma indagação descabida, que fomos a melhor coisa que aconteceu na vida delas e blá blá - e longe de mim ser responsável por um congestionamento nas salas de espera dos terapeutas de vocês -, mas há de se pensar até que ponto nossas pessoinhas foram fontes exclusivas de felicidade. Sempre é complicado falar da experiência alheia, então falo por mim. Creio estar longe de ser uma filha-problema, mas tenho ciência das renúncias e barras que chegaram com o meu nascimento - e felizmente sou bem resolvida quanto a isso. Será tão horrível pensar nisso, adultos que somos? Não sinto que sou menos amada nem que minha vida vale menos por isso. Claro, talvez porque eu me enxergue, nesse aspecto, de maneira mais analítica, como um mero produto da sociedade (sim, eu enxergo todo mundo assim basicamente), mas creio que precisamos de um debate mais profundo sobre trazer vidas ao mundo, ainda mais quando o mundo não anda lá tão convidativo. De preferência, longe desse discurso opressivo de que nascimentos são bênçãos de Deus. Viva! Que traga muitas alegrias! Claro, até ter que estudar com o seu reizinho no colégio e ele precisar conviver com aquele desafortunado, filho de sei lá quem.
No nosso top10 de hits, o ''ai mas quem vai cuidar de você na velhice'' segue imbatível. Que raio de pensamento utilitarista é esse? É só a isso então quer serve a tal empreitada? Seguido, claro, do clássico familiar ''mas fulana quer ser avó''. Que amor, fulana quer ser avó. Pois ela que adote uns netinhos de estimação, os abrigos estão cheios. Já pararam para pensar em quantas meninas estão tomadas por esse pensamento católico, quando não tem estruturas nem amparo para gestarem a tal ''bênção''? Será que elas realmente querem ser mães? Será que está sendo ensinado a elas que está tudo bem não quererem? Que elas não precisam bancar as heroínas, terem uma rotina exaustiva e não dormirem uma noite inteira para terem valor? Pode parecer um paralelo muito minucioso, mas quantas crianças vieram ao mundo sem sentido, e hoje engrossam o caldo da marginalidade, essa mesma marginalidade que vocês amaldiçoam nos portais de notícia? Com quantas ''bênçãos'' vocês, cidadãos de bem, estão tendo que conviver hoje em dia será? Que loucura, não? Essas bênçãos se tornarão adultas... e aí é o grande drama. Ser mãe não é essa Disney vendida aí nas propagandas do Boticário, meu povo. Vocês vão ganhar um cartão ridículo em maio, claro, mas talvez ele não supra o desgaste emocional.
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