O sono é feroz, domina, e a preguiça, lancinante, puxa seus membros fatigados para qualquer lugar em que se possa ficar apoiado. Mas é sábado e você combinou de ver seus amigos - e o pior é que em algum nível do seu coração você quer realmente vê-los. O que você não quer é se locomover, então você faz o que qualquer filho da puta já fez alguma vez na vida: enrola. Enrola pra caralho. A vida como ela é.
''Aposto que se o fulaninho fosse, já estaria lá''. Tão verdade que não consegui nem disfarçar o sorriso cheio de dentes. Se fulaninho estivesse lá, eu já estaria lá antes de ser. Se fulaninho vem, por exemplo, às quatro da tarde, desde as dez da manhã eu estarei experimentando calcinhas. Refletindo sobre isso, parei uns minutos... e me saí, resignada, com uma ótima, como se tivesse um cigarro no canto no boca e fosse Nelson Rodrigues: ''o fogo no rabo é uma vontade inabalável''. Não que eu não sinta fogo no rabo por meus amigos queridos, mas definitivamente naquela noite tudo que eu queria me entregar aos braços dele, do sono - a não ser, claro, que fulaninho estivesse por lá. Fulaninho, naquela noite, detinha todo meu fogo no rabo. Um fogo no rabo intransferível e ensandecedor. Fiquei meio desconcertada, claro, com o diretaço na cara, mas depois caí em mim e vi que era verdade: o bom de amizades sólidas é que as fraquezas são partilhadas de forma muito humana, além de serem mais fáceis de serem absolvidas - não esperem isso de amigos baratos e de alguns poucos meses. Quem nunca quis dar um chá de sumiço nos amigos e se entregar aos fulaninhos da vida numa noite de lua cheia que atire a primeira pedra. Todos culpados aqui, sem direito à fiança.
Acabei não indo vê-los naquela noite, confesso. Faltou algo além de um mero rascunho de querer, faltou fogo no rabo, faltou ímpeto, faltou paixão. Ah... mas se fulaninho estivesse lá, certamente o coração vagabundo teria até saído de havaianas. Vestido somente de chinelos e vontades. Entrando numa seara mais filosófica, poderíamos definir fogo no rabo como o além da vontade, aquilo que nos motiva a ir um pouco mais, até porque querer... bom, querer, todos queremos um monte de coisas. Mas o fogo no rabo é para aqueles momentos bem especiais - o fogo no rabo é o que faz as coisas acontecerem, é quando os desejos independem de destino. De fulaninhos a conquistas pessoais mais mundanas, o fogo no rabo perpassa tudo na vida. A vida como ela é. Nelson me deu um tapinha nas costas e disse: não se torture, menina, eles também são assim.
Auxiliou no post:
Sunrise - Norah Jones
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