Parece-me que fui incompreendida nesta minha paixão súbita (nem tão súbita assim) pela palavra "agridoce", uma vez que andei recebendo uns comentários bem despropositados a respeito. Ok, vamos aos esclarecimentos. A tal palavra pela qual fui arrebatada fincou raízes em meu pensamento, desde que me caiu às mãos um livrinho de breves biografias de algumas figuras que haviam participado, ativamente, dos 500 anos do Brasil - sim, li isso lá nos idos de 2000. O trecho no qual fiquei vidrada, dada a utilização do termo, era mais ou menos assim: "(...) entre móveis e objetos trazidos da pátria, Isabel, princesa do Brasil, vivia seu agridoce exílio no castelo do marido, na França."
Tratava-se do fim melancólico da princesinha boazinha que havia lutado pela causa abolicionista, durante grande parte da vida. Depois de uma rápida consulta ao dicionário - com 11 anos, a ignorância é, notoriamente, galopante - para mim, não restaram dúvidas sobre o que o "agridoce", com singeleza ímpar, queria dizer: embora cercada do doce luxo de viver como uma aristocrata até o cerrar das cortinas, nada poderia aplacar o azedume de viver os anos finais de sua vida longe da terra onde nascera, devido ao exílio seu e de seus familiares - exigido pelos republicanos, assim que destituíram o império em 1889.
Logicamente, tal conclusão profunda só deu o ar da graça, alguns anos mais tarde. Mas sabem aqueles momentos que se sobressaem aos demais na vida da gente? Pois é, nunca mais esqueci o momento em que li essa bendita palavra, tão bem empregada ali na narrativa. A angústia daquele trecho sempre esteve presente no meu inconsciente. Fiquei pensando em como referido adjetivo poderia se aninhar tão facilmente em diversas situações da minha vida, em como a sua significação se estendia a muito mais que o âmbito gastronômico - e, por isso mesmo, carregava um sabor diferenciado.
Essa conversa fiada é para reafirmar a velha constatação de que, cada vez mais, me vejo como uma pessoa agridoce, assim como tantas por aí, inquietas no exercício desta estranheza. Uma pessoa que não quer esconder seus lados doce e azedo - esses dois gêmeos que brigam entre si e disputam minha atenção todos os dias. A parte doce: resignada, benevolente, tolerante - e a parte azeda: revoltada, sarcástica, intransigente e, inevitavelmente, a que mais atrai e trai. Não posso fugir daquilo que vive entranhado em mim. Posso é perder um pouco da credibilidade que julgo possuir, mas confessar essa minha dualidade é enaltecer um conhecido parceiro de jornada, combustível que não se esgota. Quem tá comigo?
Comentários
Como viveríamos sem isso?
Mas o fato é que todos temos tal característica.
Mal interpretada pela maioria, mas não menos fascinante.
Digamos que o azedo corresponda a parte mais interessante do ser. E predomine nos contraditórios, críticos e "pensantes". Acredito eu.
A parte doce predominando fica para a grande maioria que prefere viver dentro de padrões.
E podemos notar que mesmo com a grande maioria sendo doce, não temos um mundo doce, muito pelo contrário.
Então, que vivam os pensantes!
Adorei o post.
vou acompanhar seu blog a partir de agora.
grande beijo