Depois do milionésimo ''funk não é cultura'' ouvido na conversa, decidi sair dali. Meio abismada com a burrice humana, mas muito convicta de que precisava escrever algo. Eu queria realmente entender o que vem à cabeça das pessoas quando falam em cultura. Inteligência? Refinamento? Saber usar este ou aquele talher? Vamos começar pelo basicão: cultura não é grau de instrução. Uma pessoa analfabeta tem cultura, assim como nós e nossos diplominhas fétidos. Quando ouço alguém dizer que fulano não tem cultura, só consigo pensar num esvaziamento daquele ser. É de uma ignorância aterradora dizer que as pessoas não têm cultura, quer dizer, toda a vivência delas não significa nada? E o jeito como elas levam a vida, se vestem, se relacionam, consomem?
Eu, particularmente, acho funk um saco, prefiro ouvir um Greatest Hits inteiro da betoneira do vizinho a dar ibope. Não me sinto empoderada ouvindo, não gosto das letras, não consigo apreciar os arranjos e não consumo estando 100% sóbria e em pleno uso de minhas faculdades mentais (a gente até ama dar uma sentadinha marota, mas o estardalhaço estraga tudo), mas daí a dizer que isso não faz parte da cultura brasileira é de uma falta de conhecimento comovente. Cultura brasileira, olha que loucura, é Noel Rosa e Mc Kevinho - o que não quer dizer que Kevinho esteja qualitativamente à altura de Noel, tentem se acalmar. Funk é cultura, sim. É uma manifestação genuína de valores, percepções, desejos, é voz de uma infinidade de pessoas e como elas enxergam o mundo. Existe cultura ali, porque ela denuncia um modo de viver. Cultura não é somente algo que achamos bacaninha de consumir ou que denota elevado poder aquisitivo, sacam? Cultura é novela, Big Brother, Youtubers (argh), History Channel, Machado de Assis, Ingmar Bergman e Mazzaropi, todo mundo junto e misturado e existindo e provocando reações. Cultura simplesmente existe.
A despeito da negação bizarra do começo do texto, não vou negar que me faço algumas perguntas inocentíssimas como uma mera espectadora da coisa - pois, querendo ou não, os funkeiros sempre me provocam riso nem que seja. Por que falam do que falam e falam desse jeito? Querem chamar atenção, chocar? Querem ser ouvidos? E se querem, por que dessa maneira? Que imagem querem passar? Serão eles mais lascivos e trepantinos que nós, pobres de nós? Será que a favela não sabe falar de amor? Do amor antes da trepada e do amor que fica depois da trepada? ''Não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor.'' Poderia ser Bonde do Tigrão, mas é só Gabriel García Marquez doce e certeiro. Nem só de mamadas infrutíferas vive um ser, acho que eles conseguem ir um pouco além.
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