(O texto a seguir foi, originalmente, escrito em 17 de junho de 2009. Embora o fato que o motivou esteja fora de evidência, acredito que valha a pena postá-lo. Segue urgente discutir a impunidade nesse país surreal.)
É desoladora essa praga da impunidade. Não bastam mais leis, mais decretos, mais ditaduras, creio eu, nada faz com que o respeito ao coletivo volte a pautar as relações entre as pessoas. Assisti ao programa Profissão Repórter, ontem à noite, com um profundo pesar, pois o tema que orientou os jovens repórteres na elaboração das matérias foi o trágico acidente, provocado pelo, agora, ex-deputado Fernando Carli Filho – o inconseqüente abdicou do cargo ainda no hospital - e que teve como saldo a morte de dois jovens inocentes em Curitiba.
Fiquei estarrecida, mas não com o fato em si, já que, infelizmente, trata-se de um acontecimento rotineiro em nosso cotidiano e com o qual, principalmente nós estudantes de jornalismo, devemos nos habituar. Mas, sim, com o estúpido roteiro que antecedeu a carnificina, ocorrida em um movimentado cruzamento. Segundo a produção do programa - que teve acesso ao inquérito do caso - o parlamentar estava, nitidamente, alcoolizado, isso era uma verdade que até as pedras da rua haviam percebido, mas mesmo assim, insistiu em sair do local, em que havia ingerido algumas taças de vinho, dirigindo seu carro de forma desafiadora, leia-se “cantando pneu”, mesmo sob protestos do manobrista, de amigos e de outras pessoas que presenciaram a cena. Saiu dirigindo impetuosamente, ignorando o fato de haver uma Lei Seca. Defasada, é bem verdade, mas que ainda existe e que proíbe indivíduos que consumiram bebidas alcoólicas de dirigirem veículos. Ainda mais em alta velocidade. Ainda mais sendo pessoas públicas, tidas como responsáveis pelo bom andamento da sociedade e, no seu caso, pertencendo ao poder legislativo, que também têm a incumbência de elaborar leis que garantam a ordem.
Pensando sobre isso, me assaltou o absurdo da situação ainda mais por se tratar de um político - classe de trabalhadores que têm suas funções sempre questionadas por nós. Como exigir um respeito que eles sabem que não merecem, a julgar por fatos como o lamentável? Sinceramente, tenho consciência de que todos estão sujeitos a fatalidades, inevitavelmente, esse é o curso da vida, mas o excelentíssimo em questão foi advertido de sua impossibilidade de tomar a direção, como pôde ser tão irresponsável? Será que pensou que, por ser político, usufruía de um álibi exclusivo? Ou foi por imaturidade mesmo? Imaturidade, esta, aliás, que ficou evidente na maioria das falas dos motoristas entrevistados pela produção do jornalístico. Prestei atenção especial em um que afirmou com todas as letras que é errado sair para beber e depois se apossar do volante, mas que faz isso, pois se sente mais solto. Segundo a figura, a cabeça fica mais leve. É ou não é de cortar os pulsos?
Bom, não se pode generalizar, seria injusto com a pequeníssima parcela consciente sobre o tema e que procura não somente se preservar, como também não matar inocentes e protagonizar filmes de terror. Na mesma edição, um estudante visivelmente arrebatado pelo álcool proferiu que iria para casa de táxi. Vendo que o repórter hesitava em acreditar na sua afirmação, ele se levantou, discursou de forma embaralhada sobre o risco que poderia ser evitado, se todos colaborassem no propósito em questão e saiu, de fato, guiado pelo taxista - satisfeito com a corrida. É só uma pena constatar que são poucos os que fazem isso. Muitos preferem sair em seus carrinhos se sentindo os reis do pedaço, em vez de bradarem em alto e bom som, ainda que jocosamente, que têm respeito por suas vidas e, mais ainda, conhecimento do que é cidadania.
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