O Fernandão, ídolo colorado falecido ano passado em um triste acidente de helicóptero em Goiás, desde que havia ganhado projeção no futebol há alguns anos, sempre me chamou atenção pelo que dizia. É curioso como eu sempre parava para escutar alguma fala sua na televisão, por exemplo. Alguma coisa de fundamento ia sair, era meio sintomático. Destoava até com certa inocência da massa de entrevistas futebolísticas caricatas e que beiram a robotização desde sempre - e que, aliás, vide anos 2010 e tantos, seguem ridículas e previsíveis. Mas não era esnobismo; era lucidez - e esses dois, poxa, são bem diferentes. Me lembro de uma vez - devia eu contar uns 17, 18 anos - ter saído uma reportagem em um jornal impresso de prestígio aqui do estado acerca da homossexualidade no futebol e de como há uma cultura machista e heteronormativa dentro deste espaço, tido ainda como só para machões e gaúchos malvadões e ogros graaaaw. Em meio a falas bizarras e carentes de profundidade, o homem saiu-se com uma que calaria a boca da legião de Malafaias de hoje. Fiquei pensativa. Eu, com o meu gremismo entalado na garganta, não tive outra escolha senão admitir que o cara era de fato inspirador.
Eu realmente não saberia dizer com exatidão como um ídolo é criado ou como seu simbolismo ecoa no inconsciente coletivo de milhares de fanáticos puro coração. Há muitos fatores envolvidos nisso. Em se tratando do capitão, existe toda uma safra de títulos gloriosos e bons resultados dentro de campo - talvez muitos do que lamentam hoje sua partida tão precoce até se lembrem mais disso, em detrimento do lado mais político do jogador. Só sei que o futebol precisa de mais caras assim. De mais pessoas que questionem e que se recusem a serem meros fantoches que lamentam, ensaiados, ''que não deu pra trazer os três pontos, vamo ver o que o professor vai falar'' - cuspida pro lado. Pode soar elitista isso, mas que nada, é bem o contrário. O futebol pode ser, sim, um meio de transgredir e de ser ferramenta política. De azucrinar a acomodação alheia.
Sabe, tenho acompanhado pouco de futebol hoje em dia, já fui bem mais fã. Li algumas coisas aí, fiquei encucada e vi como o meio pode ser mesquinho, perverso e alienante. Sigo gostando de mata-matas que terminam em pênaltis, no entanto. Não nego que ele, o futebol, por toda sua simbologia, mexe com uma parte muito sensível de nós - e que nos deixa abobalhados como uma criança de cinco anos num parque de diversões. Todavia, contudo, entretanto, isso eu também acho em outros esportes, esporte, esse lindo. Só eu sei o que eu sinto quando vejo a bandeira do meu país tremulando no pódio de uma olimpíada. Só a gente sabe. Só os noruegueses sabem a dor e a delícia de serem o que são. Só os senegaleses sabem a dor e a delícia idem. Enfim, o esporte é para todos. Só sei que no futebol, deveria haver mais Fernandões. Deveria haver, além de gols, mais palavras para deixar o rabinho do orgulho do torcedor rival no meio das pernas, fazendo-o engolir umas verdades.
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