Pular para o conteúdo principal

Minha buarquice


O amor é demais, é resistente, é meio incompreesível e teimoso, mas o fato é que às vezes deixa respirar. Dá um tempo. Excursiona por outras bandas, joga charme para outros acordes, flerta com outros ritmos. Porém, sempre volta. Volta maior, volta mais ferido e cheio de histórias, mas volta. É dele o pedaço mais feroz e perturbador, mais covarde e misterioso, mais humano e irremediavelmente torto. É simplesmente amor.           
Faz tempo que Chico Buarque rouba minha paz. Desde que escutei “Futuros Amantes”, nos idos de sei lá qual ano, comecei a prestar atenção nesse moço dos olhos cor de ardósia mais cristalinos da MPB. Até, aqui, cabe um adendo: duvido muito que você tenha um coração batendo dentro do peito, caso não se comova com referida canção. “Não se afobe não, que nada é pra já, amores serão sempre amáveis... futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber com o amor que um dia deixei pra você..” Pois é, pedrinha de gelo que me lê no momento, o moço escreveu isso aí. Quando escuto tal passagem é como se eu tomasse um soco na boca do estômago. Apanho lindamente, e peço mais. Claro, adolescente boba que era, não saberia dizer com exatidão o momento em que doei meu coração a um dos rebentos de Sérgio Buarque de Holanda; lembro, isso sim, do momento em que ele atravessou o televisor da minha casa e eternizou a ternura. Sim, ternura. É isso que suas canções provocam em mim. A ternura escondida, a ternura corrompida pela selvageria do mundo real, a ternura do romantismo guardado a sete chaves, a ternura de escutar uma música tão bem feita, que até faltam as palavras. Simplesmente ternura.           
Eu sei que meu amor não é único. É um clichê desgraçado: Chico é amado numa escala impossível de ser quantificada. Somos milhares, somos viúvas, somos namoradas, somos amantes, somos alunas do mesmo cara - que não cansa de embasbacar com a lição da composição. Por não ser único, me deixa ciumenta, assim como deve ocorrer com o resto das discípulas. Não gosto nem quero racionalizar isso, é só o que é e ponto. Eu amo. Não sou também fã de deixar a admiração doentia cegar o que chamo de discernimento: falem mal, falem de suas contradições políticas, falem do que quiserem, não sou xiita. Eu amo do mesmo jeito. É possível que certa genialidade crie animosidade com quem não está acostumado com o exercício da contemplação: Chico, realmente, não faz música para nos acabarmos na pista de dança – ainda que isso também seja de grande valia – mas, sim, para morrermos de amor, para chorarmos as dores de quem sofre em silêncio, para nos deliciarmos, para ressuscitarmos o pouco de pureza que insiste em ficar à margem naquilo que chamamos de pensamento. Para arregalarmos os olhos e percebermos que nunca haverá outro intérprete igual. Para aprendermos a contemplar. Con-tem-plar.           
O que será que será que vive nas ideias desses amantes, que cantam os poetas mais delirantes, que juram os profetas embriagados? Eu não sei, ainda que te perdoe por fazeres mil perguntas, que em vidas que andam juntas, ninguém faz. Te perdoo também por ligares pra todos os lugares de onde eu vim e por você não devolver o Neruda que me tomou, e nunca leu. Com açúcar e com afeto, eu volto. Sempre volto. E até faço seu doce predileto, para você parar em casa... pois pela minha lei, a gente é obrigado a ser feliz.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

5 ANOS DE BLOG - PARTICIPE DA PROMOSHARE

Hoje, nós da empresa, completamos 5 anos de blog. Vamos dar o play para entrar no clima:                         #POLÊMICA: sempre preferi o parabéns da Angélica em vez de o da Xuxa. O que não quer dizer que eu ame a Angélica, claro, por mim ela pode ir pra casa do caralho. ENFIM, VAMOS CELEBRAR! 5 ANOS DE MERDA ININTERRUPTA AQUI! UHUL, HEIN? Era 22 de dezembro de 2010, estava euzinha encerrando mais um semestre da faculdade de Jornalismo, meio desgraçada da cabeça (sempre, né), entediadíssima no Orkut, quando finalmente tomei coragem e decidi dar a cara a tapa. Trouxe todas as minhas tralhas para o Blogspot e a esperança de mudar alguma coisa. Infindáveis crônicas começaram a ganhar o mundo e a me deixar mais desgraçada da cabeça ainda: sei lá, escrever é uma forma de ficar nua, de se deixar analisar, de ser sincero até a última gota, e isso nem sempre é bom negócio. Mas, enfim, felizmente tenho sobrevivido sem grandes traumas - mas não sem grandes catarses, por isso esse n

Família Felipe Neto

Eu já queria falar sobre isso há um bom tempo, e, enquanto não criar vergonha nessa cara e entrar num mestrado para matar minha curiosidade de por que caralhos as pessoas dão audiência para pessoas tão bizarras e nada a ver, a gente vai ter que escrever sobre isso aqui. Quando eu falo ''a gente'', me refiro a mim e às vozes que habitam minha cabeça, tá, queridos? Youtubers... youtubers... sim, Bruna, está acontecendo e faz tempo. Que desgraça essa gente! Ó, pai, por que me abandonaste? Quanto tempo eu dormi? Estamos vivendo uma era de espetacularização tão idiota, mas tão idiota que me faltam palavras, é sério, eu só consigo sentir - como diria o fatídico meme . Não tem a mínima condição de manter a sanidade mental, querendo estudar, trabalhar, evoluir quando pegar uma câmera, do celular mesmo, sair falando um monte de merda e enriquecer com isso ficou tão fácil. Vamos usar um case bem ridículo aqui? Vamos.  Dia desses, esta comunicóloga que vos fala, fazendo suas

Flores no lamaçal de creme de avelã

Tenho feito um severo exercício de autocrítica nos últimos tempos - exercício esse que, somado a um problema pessoal bem pontual, me deixou sem tesão algum de escrever. Mas voltei para uma transadinha rápida e certeira. Um mea culpa inspirado nos velhos tempos - desta vez sem o deboche costumeiro. Realmente quero me retratar. H á alguns meses, q uando escrevi, estupefata de indignações diversas, sobre youtubers, eu nunca estive tão certa do que escrevia. Sigo achando que o Youtube amplificou a voz dos imbecis e vem cooptando principalmente crianças a uma sintomática era da baboseira - entre trolladas épicas envolvendo mães e banheiras cheias de nutella , criou-se um nicho bizarro cujo terreno é a falta de discernimento infantil infelizmente. Só que foi aí que residiu meu erro: reduzir a plataforma a um lamaçal de creme de avelã - e nada mais. Não me ative ao fato de que ali coexistem muitos canais interessantíssimos sobre os mais diferentes ramos do conhecimento hum ano , inclusive