Ela dizia que não se importava mais, Lorena, a cética.
Mas no momento em que o reviu naquela fatídica tarde de verão, indo para o
trabalho, sentiu aquela maldita corrente elétrica percorrendo todo seu corpo de
novo. A corrente elétrica era a conhecida paralisia incompreensível, que fazia
com que todos os ossos fossem tomados por uma energia arrebatadora - e com a
qual ainda não sabia lidar de modo racional, por não ter conseguido subtrair aquele
rosto da memória. E era isso o que mais doía – mais que sentir o estômago
retorcido, os olhos começando a lacrimejar timidamente, o coração atordoado dentro
do tronco, como se pudesse ser ouvido a quilômetros de distância dali. E para
ela, seus batimentos cardíacos eram ouvidos por todos, em uníssono, como se
fossem a pior sinfonia de acompanhar. Tanto que, quando se cruzaram na Avenida Morrinhos, na mesma tentativa de
alcançar a calçada, ela não soube o que dizer, ela engasgou nas palavras, ela
emudeceu e ficou ali, olhando pro chão, pro nada, perdida nela mesma. Perdida
naquela metrópole, que agora era seu lar doce lar – ainda que nem tão tragável.
Lorena, a ingênua, fingiu que não o reconhecera – agora que Vítor não usava
mais barba. Talvez ele tivesse aparado, a fim de deixar uma fase para trás,
era justo. Mas ela ficou arrasada, por notar o que ele fizera com o rosto dele,
não era o mesmo, não era a mesma feição. Foram muitas as noites, grudada nele,
num exercício quase que de fusão, de hibridismo, logo não se sabia quem era
quem.
Evidentemente, a cicatriz no maxilar magro, o jeito como
ele sorria quando ficava nervoso – tudo isso permanecia marcado como uma doença
no pensamento dela. E foi isso que veio à tona naquela tarde de calor escaldante,
em que ele resolveu aparecer sem sua barba política, porém firme com os olhos de ressaca: ele tinha aprendido a
engoli-la como ninguém, e possivelmente ainda sabia. E então doía mais um pouco,
que remédio. E a pele dela morria, lentamente, pelo toque que não tinha mais.
Morria de fome. A corrente elétrica ainda era uma espécie de amor. E
gritava.
Auxiliou
no post:
O
nosso mundo – Barão Vermelho
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