Se é que eu tenho propriedade para afirmar algo sobre minha pessoa, eu diria que sou extremamente observadora. Irremediavelmente observadora. Não saberia, a propósito, dizer se é um defeito ou uma qualidade, dadas algumas circunstâncias em que já me encontrei nesta vidinha severina. Como diria o folclórico Chicó, ''só sei que foi assim''. Foi assim e vem sendo assim, desde que eu me entendo por gente. Mas que nada, meu caro, não me olhe com essa cara de ''ó essa fulana narcisista se autointitulando isso ou aquilo'', ser observador não quer dizer grande coisa. Só significa, penso eu, carregar um potencial malístico ilimitado. Eu carrego e pareço fazer jus, que remédio...
Mesmo em meio a um turbilhão de vozes ecoando em meus ouvidos e pessoas passeando entre mim em afazeres diversos, é possível me encontrar, caso haja algo que me roubou a atenção, perdida num recanto especialmente meu. Eu, ali, sou incorruptível, ninguém me ganha. Se eu decidi que merece observação, é ali que eu fico, é para aquilo que eu dispenso meus segundinhos. Eu sou daquilo ali e não há nada que me mova. E eu entro, ali, em um fluxo de consciência que me apavora e me liberta. Ali...
Mas, previsível que é, tal fluxo traz consigo o poder incrível de distrair. Também sou irremediavelmente distraível. Oh, céus, sou um poço de distração - e vamos combinar que confessar isso não é lá muito inteligente, em um mundo que preza por humanos focados, quase robôs, à mercê do sistema. O fato é que observar também é se perder. Prender-se a detalhes também é enveredar por caminhos pouco percorridos. Tipo, quando estava eu na fila daquele maravilhoso lugar onde compram-se alimentos, e fui fisgada por uma destas revistas semanais que habitam as últimas gôndolas do labirinto do consumo rumo à liberdade. Muito estafada da vida - especialistas afirmam que tal estafa aumenta 50% em filas - eu me perdi nas manchetes que versavam sobre a dieta do suco de capim-limão e a 78698ª Helena do Manoel Carlos, e soltei um "mas que merda essa revista'' muito convicto e infeliz.
Infeliz, porque a moça do caixa me fulminou com um olhar de desprezo. Quando observar, procure não se denunciar.
Auxiliaram no post:
Here I go again - Whitesnake
Ashes of american flags - Wilco
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