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Eu te amo, meu Brasil, eu te amo

A história do desaparecimento do pai do Marcelo Rubens Paiva foi algo que me marcou ali pelos 17 anos. Quando li pela primeira vez Feliz Ano Velho, a passagem em que ele narra o dia em que militares invadiram sua casa e levaram seu pai arrastado - para nunca mais - calou profundamente em mim. Até hoje, mexe comigo, me dá vontade de chorar. Ele nunca mais viu o pai. E é uma narrativa parecida com muitas de um passado bem recente do país - e ao qual, vejam só, muitos imbecis travestidos de sujeitos de bem fazem coro, pedindo sua volta. Se tá complicado de assimilar, digite aí no seu buscador do Google: desaparecidos políticos. Se quiser variar, tempere a pesquisa com ditadura chilena, ditadura brasileira, ditadura argentina, ditadura cubana - sim, cubana, porque toda ditadura é terrível - e reflita um pouco. Há um número bizarro de pessoas que nunca foram encontradas. Nunca houve paradeiro. Seus descendentes já morreram - e grande parte sem saber que fim tiveram seus pais, irmãs, tios, primas. Não há cemitério para levar flores, chorar de saudade. Não há corpo - os restos mortais confundiram-se com o pó. Parece poesia, mas quem dera. Viraram indigentes, suas vivências foram aniquiladas. E seus assassinos e torturadores vivem à sombra de um estado que os perdoou com honras e méritos. Anistia geral para os que ficaram. Ustras da vida que o digam.
Como não tivemos nenhum exemplar de esquerda no quintal brazuca, foquemos na atuação de extrema direita que assombrou gerações. Como pode haver pessoas exigindo outra intervenção militar? Como pode não sentirem empatia por essas famílias, cujos parentes perderam-se no tempo? Imagine que você fosse filho de Rubens Paiva, imagine que fosse um dia como outro qualquer. Aí, do nada, milicos invadem sua casa sem qualquer cerimônia. Quais são seus direitos? Que direitos, minha senhora? Seu marido é um subversivo. Qual o crime que ele cometeu? Ser contra o regime. Mas ele é uma pessoa de bem. Ah é? Ele que vá explicar isso lá tomando um choquezinho no saco, esse comuna de merda.
Imagine que você fosse filho do Herzog, então. Aí, do nada, seu pai é convidado a prestar esclarecimentos, de boinha, numa nice, no II Exército. Coisa rápida, ué, afinal, ele não deve nada a ninguém. Só que, dias mais tarde, sua família recebe a notícia de que ele se suicidou, uma coisa inexplicável. Você corre para quem?
Vamos mais longe: imagine que seu pai não figurou em livro nenhum. Não era um político influente tampouco jornalista. Seu crime? Ser um reles operário que ousava fazer parte do movimento sindicalista, lutar por uma vida mais digna para seus filhos. Enfim, ele não aceita as condições sub-humanas em que é obrigado a trabalhar, não concorda com a tirania de simplesmente não poder fazer greve, sob o risco de levar uma bala na cara. Enfim, ele é um prato cheio para os déspotas que iludem meio mundo cantando "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo....'' Até que um dia ele cai. Ele é torturado. Espancado por ter ousado desafiar o patrão. Mais um desaparecido, quiçá. Ninguém mandou estar ''fazendo merda'', não é mesmo? Ninguém mandou não trabalhar quieto, enquanto via seu salário não valer nada diante dos preços que subiam assombrosamente nos mercados, não é mesmo?      
Mas, quem sabe, você só seja mais um filho de um empresário cheio da grana, tendo tudo do bom e do melhor, simplesmente não entendendo de onde vem tanto ódio por um governo bonzinho patriota, que até faz adesivos de carro com o slogan ''Brasil: ame-o ou deixe-o'', a fim de comemorar essa beleza de país, onde, vejam só, a ordem é tanta, que nem greve existe mais. Tudo funciona. E todo mundo pode ter uma televisão a cores para assistir O Bem Amado.   



                                                     Poxa, eu sou um vovozinho tão legal.








   

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