Eu sou um tipinho atormentado. Artístico incompreendido. Azedo crônico. Faço piadinhas imbecis e comentários inapropriados. Sou medalha de ouro em deixar as pessoas mudas espumando de ódio em virtude de alguma frase atravessada. Aquela coisa das papas na língua, sabe... é, realmente não tenho. Como diria a Modinha para Gabriela: eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim. Ponto. Mas, indo na contramão disso tudo que escrevi, devo confessar que realmente não me considero uma pessoa mal educada, uma pessoa difícil de conviver em sociedade. Eu sou um doce, meus amigos, por mais contaditório que possa parecer. Eu prezo muito por gentileza no momento em que ponho os pés para fora de casa. Nossa, eu não abro mão! Ninguém tem culpa das misérias que enfrentamos, penso eu. Tá, alguém, às vezes, tem, ok. Mas o caixa do mercado, o atendente da loja, a moça que faz a higienização urbana... poxa, eles não têm nada a ver, nunca serei deliberadamente estúpida com quem nunca olhou na minha cara.
Tá, blá, blá, depois dessa introdução chatíssima e egocêntrica, vamos aos fatos. Há uns dias, fui viajar a fim de resolver pendências. Como sempre, na rodoviária, me ofereceram um assento que já estava ocupado no momento em que entrei no ônibus - e bem no fundo do veículo, lugar sempre intragável de viajar por inúmeras razões (eu costumo ficar tonta, por exemplo). Ok, beleza, vida que segue. Após alguns segundos, um casalzinho chegou perto de onde eu me acomodara e chamou minha atenção: pelo que entendi, era um desafio se desgrudarem e viajarem em poltronas distantes. Até procurei notar se eram gêmeos xifópagos, mas ao que tudo indica cada um tinha o seu corpo. Confesso que tal drama começou a me enervar, logo, sugeri que ficassem com meu lugar, enquanto eu sentava em outro já previamente ocupado. Ok, não foi nada demais, mas o fato é que eu não ouvi um obrigado sequer. Ficamos, a moça que também se disponibilizou a fazer a troca e eu, ali, meio embasbacadas com a total falta de tato dos jovens namorados. Quem sabe fossem mudos, cada um com seus problemas. Mas aquilo ficou me martelando a vida. Até pensei: esse desaforo rende uma crônica. Realmente, é sacrifício demais abrir a boca para agradecer por algo. Pedir por favor, dizer com licença, por gentileza, obrigada, essas coisas supérfluas. O mundo é selva, gentileza é para os fracos, os que ainda não entenderam que o sistema é bruto. Caro leitor, cara leitora, reitero:
EU SIMPLESMENTE NÃO TINHA OBRIGAÇÃO NENHUMA DE CEDER LUGAR OU DE ENCHER O SACO DA OUTRA MOÇA ATRÁS DE MIM, A FIM DE QUE OS POMBINHOS PEGASSEM O PRIMEIRO AVIÃO COM DESTINO À FELICIDADE.
O meu conforto estava garantido. Mas as joias sequer me mandaram à merda. Talvez um ''vai à merda'' já tivesse mudado meu dia. Ou quem sabe, dada a apatia e o espírito de servidão, um ''não fez mais que tua obrigação, querida''. Ao menos, eu teria dado risada, visto que seriam humoristas profissionais.
Eu fiquei pensando. Sim, porque eu sempre penso. Tem muita gente incrível e gentil no mundo, mas também tem muito cuzão mal educado, né? Que lástima. Realmente, talvez as palavras não sejam transformadoras no momento em que são ditas. Mas não dizê-las pode ser incrivelmente mais desastroso. Quem não gosta de ser tratado com gentileza? Com um sorriso, um gracejo? Vai saber se aquele ''muito obrigada, moça'' não vai salvar um dia, uma alma carente de calor humano? A gente não sabe, a vida e as conexões são um mistério. E eu sou uma trouxa, sabemos, mas uma trouxa que sempre deixa o interlocutor mudo, então estamos conversados. Gentileza gera gentileza, casal, aprendam isso. Se forem fazer tatuagens, tatuem isso no antebraço, que ao menos não vai rolar laser corretivo depois.
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