A polarização da política brasileira chegou a níveis bizarros, credo. Ao mesmo tempo em que afirmo e reitero sempre que posso que todos, bem no fundinho, têm lado, logo, ficar em cima do muro é doce ilusão, caio em contradição e vejo quão burro é esse afastamento ''ideológico'' - não que ele não precise existir, mas no momento em que sobra mais ódio que debate saudável, é preciso rever certas coisas. Posso estar equivocada, mas penso que a ''coisa'' ganhou mais força após as eleições nacionais de 2014, não? De um lado, um pessoal sedento por mudança de legenda, com indignações diversas (que considero legítimas) e apoiado, mesmo que não queira admitir, por setores conservadores da sociedade. De outro, os miseráveis, os comedores de pão com mortadela (falando nisso, que delícia um sanduichão de mortadela, né, não?), a escória de ladrões e os perdidos tipo nós, que ficamos meio a contragosto ao lado de uma situação ridícula por não ter muito sentido apoiar uma oposição horrorosa. O conhecido ''rir para não chorar'', saca?
Só que aí, o que restou do pleito ganhou outros contornos, nos colocando num verdadeiro ringue de muito ódio, muita patrulha e etc. No âmbito da internet, por exemplo, em que, tempos atrás, era permitido dizer tudo e qualquer coisa sem pensar nas consequências, opa, opa, agora não, meu irmão. E aí eu pergunto: será que isso é tão ruim assim? Não poder mais ridicularizar negros e seus cabelos, homossexuais e suas práticas amorosas, mulheres e outros grupos historicamente marginalizados? Você, cristão frequentador de igrejas e que reza toda noite antes de dormir, acha isso uma censura horrorosa de opiniões ou algo que vai ao encontro do seu sonho de paraíso? - aquela coisa de todos convivendo em paz e respeitando as diferenças? O seu Jesus Cristo teria orgulho do ser humano perseguidor que você é ou tomaria as dores daqueles que você condena ainda que de brincadeirinha? Eu sei, eu sei, o mundo é muito ruim e há muita coisa que merece atenção, mas não tem como começar qualquer debate profundo se vocês insistem em dizer que lutas que desconhecem são bobagem ou vitimização. Bom, se vocês não querem entender, aí já não é problema meu.
Então, quando um médico - profissão que carrega alto teor de elitismo por n questões - debocha de um paciente e seu modo de escrever em redes sociais para meio mundo ver, é doído, é cruel, a gente vai se revoltar muito mesmo. Pode ter sido uma comoção extremada? Pode. O caso teria a mesma repercussão dez anos atrás? Não sei, não sei mesmo, mas talvez não - a cultura muda através do tempo, e podemos estar vivendo ou uma nova era de vitimismo ou uma nova era de mais empatia e busca por humildade, além de visibilização de direitos: essa janela tem duas percepções. Não penso que é o caso de a pessoa em questão ser crucificada (não se preocupem, com a formação que tem, emprego é o que não vai faltar), pois podemos cair na mesma armadilha de ódio que repudiamos. Todavia, um ''puxão de orelha'' desses pode ecoar construtivamente na classe citada - que, convenhamos, sabe ser bem esnobezinha quando quer. Eu prefiro acreditar que estamos, sim, vivendo um novo tempo de mais respeito a quem sempre foi invisível. E se para vocês nunca foram invisíveis, é porque estavam enxergando bem mal. Ou enxergando só a parte da janela que convém, claro, é sintomático.
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