Bem, o que eu posso dizer? Apesar de tudo, um orgulho ressentido invade meu semblante. Você teve três namoradas depois de mim, e nem em cem vidas elas saberiam tanto da sua como eu sei. Eu sei mais que as três juntas o que toda e qualquer franzida de testa que vem do seu rosto quer dizer. Sei que você padece de um pavor irracional de trovões, sei que banho de chuva não é seu esporte preferido – ao contrário de mim, que sempre fiz questão de aproveitar os pingos recém caídos na janela para sair sorrindo para estranhos na rua. Eu sei que ama bolo de cenoura com calda de chocolate, e erra a quantidade de açúcar cada vez que vai prepará-la. Você é doce demais e eu sinto falta disso, já que meus dias ficaram insuportavelmente amargos desde que meu ciúme levou-o para um itinerário longe de mim. Sei que você fazia a barba toda vez que eu ia viajar a trabalho; porém deixava sua carinha ser engolida por ela no resto dos dias, porque isso renovava minha paixão. O fato é que você foi o algoz de todas as minhas vontades, enfim.
É por essas e outras, que não deixo você em paz e vivo seguindo-o pelos lugares e pelas festas aonde você insiste em ir, quando as vagabundas com quem sai não cuidam do seu melhor. Ainda que eu tenha sufocado seu coração com incontáveis cobranças e cenas melodramáticas, ninguém nunca cuidou dele melhor que eu; seu músculo cardíaco reconhece meu nome, me visita seguidamente em sonho, pedindo para voltar. Agora mesmo, em um senhor exercício de abstração movido pela saudade, posso vê-lo jogado no sofá do seu apartamento, assistindo David Letterman, rodeado por cervejas quentes e barulhos estranhos. Seu telefone no silencioso é a prova de que não quer ser incomodado, mas eu quero mais é que as lembranças de mim enrolada nos cobertores da sua cama ecoem pelas paredes até você enlouquecer. Quero que gritem e façam você enxergar o que é relegado, há tanto tempo: que meu orgulho é a coisa mais certa que ficou de nós, pois, querendo ou não, não há lugar mais apropriado para sua solidão que meu amor. Torto amor.
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