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We'll always have Paris

         Não sabia por onde começar. Nem se devia começar. Bebericou mais um pouco do martini e, aproveitando que estava a anos-luz do território da dignidade, despejou várias palavras feridas e sem nexo no ar. No corredor onde todas as vozes tinham o mesmo tom, ergueu-se um eco de mágoa que se sobressaiu a quase crível harmonia. A intenção era clara e muito bem arquitetada: provocar dor igual ou maior que a sentida. Havia um quê de justiça insistindo em marcar presença naquele jantar dos corações espezinhados. Bebidas diversas para ressuscitar velhos silêncios que não se explicaram. Tortinhas de melancolia servidas para fazer qualquer um morrer de indigestão. Equações sem prova real, emoções à flor da pele, grande palhaçada sem freio.
          Era tanta lembrança que precisava ser exorcizada. Tanto papel que precisava ser jogado fora, tanto ponto que precisava honrar seu destino. Buscou um banheiro e ensaiou no espelho. Que bobeira, não havia nada que pudesse voltar. Verborragia gêmea do ridículo que nem o reflexo sujo na superfície merecia ouvir. O álcool barato no sangue e a sofreguidão arrematada nas pálpebras com sombra roxa eram o resumo do caos. Do ciúme que fazia todos os poros da pele berrarem em uníssono uma cantiga infernal de desabafo. Estava entregue a si mesma, buscando consolo numa das cenas finais de Casablanca, em que Rick diz a Ilsa que eles sempre terão o que os uniu uma vez. "We'll always have Paris". Frase linda e mentirosa a que se agarrava, já que o vazio parecia criar raízes - talvez ainda tivessem algo.
          Naquela fatídica hora, o viu comemorando, rindo meio com vergonha dos estranhos, fugindo discretamente dos chatos de plantão, sendo assediado pelos olhos femininos - deliciados em ver tamanha segurança. Não entendia como sabia ser incrivelmente magnético, ainda que parecesse ter vestido a primeira camiseta puída que achou no guarda-roupa. Ele tinha o dom. Ficou a lembrar como idealizou estar no mesmo momento, admirando aquele sorriso doce e cafajeste, sendo a namorada que lhe deu sorte, o amando quieta e sendo desejada pelos seus hormônios e pelas suas mãos de espírito juvenil. Ela havia sido, mas, agora, os soluços roubavam a cena. Choro patético de uma patética ainda apaixonada. Nem Humphrey Bogart, nem as taças do líquido vulgar, nem ninguém salvaria a madrugada. Contudo, eis que a porta daquele palco solitário se abriu. Teria sido o vento ou a personificação do monólogo que acabara de ser encenado para as paredes?








Comentários

Anônimo disse…
Vc é demaiss guriaaaa!
Bruna Castro disse…
São seus olhos. rs // Gracias!

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