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Beleza Americana - por que Lester Burnham parece um herói moderno?

Este ano, completam-se 15 anos do lançamento de Beleza Americana e Clube da Luta - dois dos meus filmes prediletos e, coincidentemente, membros da mesma árvore genealógica americana: eu diria que são meio-irmãos. É incrível como os dois conseguem desconstruir o American Way of Life, mostrando cidadãos comuns, protagonistas de diálogos que, ainda que beirem o ridículo, trazem em seu encalço uma dramaticidade que transcende a tela. Duas sátiras da vida que não escolhemos reproduzir, mas que acabamos levando e da qual nos orgulhamos, porque, ops, agora já é tarde. Porém, por ora, vou me ater à soberba de Kevin Spacey interpretando um risível Lester Burnham - deixemos a insônia psicótica de Edward Norton e sua camisa branca sexy para outro momento (que mané Brad Pitt, gurias!).
Mais que sarcásticos analistas do estilo de vida doente do Tio Sam, eles são crônicas vivas de nós mesmos - e isso é uma coisinha desgraçadamente fascinante. Devo confessar que sou (levemente) obcecada por filmes dessa natureza: quanto mais deboche, melhor. Quanto mais caricatura, melhor. Quanto mais intimismo, melhor. Ainda que seja corrosivo, também é muito libertador assisti-los, como por exemplo também Réquiem para um Sonho - parente distante, mas não menos parte do clã. Ao confrontá-los, minimizamos nossa existência, vemos que nada mais é que uma corrida estúpida ao nada, ao pote que, oras, nunca foi de ouro. E, por mais absurdo que pareça, Lester, o publicitário de meia idade em coma profundo no subúrbio feliz - como ele mesmo se descreve -, acaba se convertendo na personificação do nosso herói moderno, ao abandonar um emprego medíocre e ir fritar hambúrgueres para reviver uma adolescência que ele suspeita ter voltado.
Sua vida, há tempos, é levada no piloto automático: ele ignora sua filha Jane, mantém um casamento apático com Carolyn, uma guru de si mesma cega por crescer no ramo imobiliário, e vê numa paixão platônica pela melhor amiga de Jane, Angela, um sentimento de frescor inundá-lo. A complexidade do personagem é ilustrada por suas fantasias sexuais com a garota, cuja beleza mostra-se como sintoma de sua própria plasticidade. Ela é comum e sabe disso, logo, usa a falta de autoestima da primogênita dos Burnham para se sentir melhor.
No filme, ainda somos apresentados à vizinhança peculiar da nossa família feliz: um casal gay que faz saudáveis corridas pela manhã, um militar aposentado da marinha americana extremamente homofóbico, além de seu filho, um adolescente que faz vídeos caseiros sem que as pessoas saibam. É dele a sequência do saco plástico mais famoso de Hollywood solto ao vento - e que parece poetizar toda a banalidade da trama. Bom, como foi dito no final da década de 90: olhe bem de perto.




- Cuidado, Lester, vai derrubar cerveja no sofá.
- Mas isso é só um sofá!!!

Para ela, não é só um sofá.




Ps: Escute bem de perto Elliott Smith dando uma roupagem maravilhosa a Because, dos Beatles.




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