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Pedaços de carne

          "O mundo está ao contrário, e ninguém reparou." Inicio o post de hoje com esse clichezão proveniente da caixola genial de Sir Nando Reis, pois, realmente, no momento, não vejo frase mais cabal para ilustrar o amontoado de pensamentos que acamparam em mim. Eu sei, o mundo e as pessoas são o que são - esse nada flutuante acontecendo em meio a esse lapso de tempo que ninguém consegue assimilar direito - mas certas coisas ainda fogem a minha compreensão. Não adianta, não entram na cabeça. Vejamos... no campo dos relacionamentos, por exemplo.
           Não entendo uma pessoa estar com uma outra pessoa, olhar todo dia bem nos olhos dela, deixar trocentas declarações - de amor questionável, by the way - em redes e etc, e chifrá-la como se não houvesse amanhã com o primeiro (a) que aparece louco por um sexo selvagem. Não entendo. Como diria a sempre sensata Martha, deve ser medo de intimidade - estado que abrange muito mais que uma noitada vazia. A geral clama tanto por caráter e dignidade, mas perde-se, justamente, quando tem de fazer o dever de casa: respeitar e cuidar quem está ao lado. O que mais me incomoda nesse comportamento é essa necessidade de ir atrás de pensamentos genéricos. Ou seja, se você foi passado para trás, o negócio é dar o troco. Se levou um pé, deve catar desesperadamente um novo substituto. E logo, a propósito, já que ninguém pode saber que existia verdade em seu coraçãozinho espezinhado. Não pega bem admitir que você é um ET que (ainda!) se importa com os sentimentos alheios, nesse planeta que só bonifica quem é malandruxo e sacaneia quem vier pela frente.
            O fato é que não estou aqui tentando difundir a moral e os bons costumes, apenas trazendo à tona essa promiscuidade nas relações humanas com que - ao meu ver - devemos nos habituar, já que é o normal. Pelo que me parece, não há mais chance para amores brotarem honestamente, conquistarmos pessoas pelo que dizemos e pensamos, em detrimento do ângulo do decote, ou cultivarmos laços mais sólidos. É possível que a culpa seja das propagandas das festas com que somos bombardeados todos os dias, nos incitando a beijar móóóóito, beber até vomitar, trepar com o primeiro panaca que fizer um elogio e etc. Mas e se for uma epidemia de falta de personalidade? O raciocínio é lógico: se não tem nada a oferecer além de aparência, um agitozinho superficial está de bom tamanho. Qual é, povo? Princípios vêm antes de qualquer opinião de amigo (a), letra escrota de sertanejo ou tendências ridículas dessa sociedade de alienados. Ou se tem ou não se tem.
             Não há como falar do assunto, sem parecer um tanto antiquada. Imaginem o que quiserem, só sei que precisava falar de como me enoja o fato de pessoas tratarem umas às outras como meros "pedaços de carne". Quanto mais, melhor. Se não está da maneira desejada, joga-se fora. Penso que continuar colocando sentimentos nobres para rodar nessa ciranda-cirandinha do mal é a maior furada. O jeito é aprender a viver, esperando pela deslealdade, pela decepção e por tudo de ruim que seres humanos sabem fazer - e fazem bem. Só deixo um questionamento: quando foi que esse estágio irreversível de mediocridade aguda se instalou entre nós mesmo?
  

Comentários

San disse…
Belo texto.
Compartilho do mesmo sentimento, embora no passado também tenha caído na babaquisse do agito superficial. Por sorte foi só uma fase (que passou, amém)!
Só não curti dizer que a propaganda é o bode espiatório.. acho que as novelas fazem isso bem melhor.. e os forrós, axés, funks e sertanejos universitários. Tenho a desconfiança que tudo começou quando alguém disse pela primeira vez: "segura o Tchan, amarra o Tchan, segura o Tchan, Tchan, Tchan.."
Bruna Castro disse…
Pois é, sabe.. me parece que há uma necessidade de agir conforme um "perfil", pois, se não, vc não tá "dentro do jogo". E nessa busca em ser aceito, nem sempre se age de acordo com as reais inclinações sentimentais.

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