Pular para o conteúdo principal

Exército imbecil da curtida


VAMO LÁ, BRASIL, QUE HOJE A ESTUPIDEZ TÁ NOOOOOTA 10

Eu até não sei como não escrevi antes sobre isso que estou prestes a escrever, visto que é algo que me embrulha o estômago desde sempre. Tá aí, tô aqui abobada pensando que nunca veio o insight pra comentar isso, essa nojeira de compartilhamento em massa da desgraça alheia, muito mais evidente, claro, nestes tempos escrotos de Facebook e smartphones inteligentíssimos - ao menos no nome. Galera vai lá e compartilha foto de cão ensanguentado. Galera vai lá e compartilha foto de acidente. Galera vai lá e compartilha foto de corpo estirado no chão. Galera vai lá e compartilha foto de gente espancada, QUAL É, MANO, CÊS PERDERAM A NOÇÃO DE EMPATIA? Quer dizer, vocês já tiveram algum dia empatia pela dor alheia, digo, antes de ter um celular com câmera? Ou esse emburrecimento veio como bônus na nota fiscal?
Mais que a atitude infame de fotografar e sair por cima como canal de notícias local, o que me deixa puta da cara mesmo são as curtidas que vêm a tiracolo nos tais compartilhamentos. Sempre infinitas, sempre absurdamente numerosas - e, não raro, acompanhadas de muitas opiniões, também numerosas, todos falam, todos sabem do que ocorreu, todos xingam, todos entendem muito da fatalidade quando não é com o próprio rabo. É tipo o exército imbecil da curtida. Cá entre nós, será que as pessoas sabem realmente o que uma curtida quer dizer? Digo isso, pois ela poderia e deveria servir como um instrumento de boicote, ou seja, não achei digno, não curto. Simples. E o post ficaria lá às moscas convivendo com o ostracismo eterno - não porque as pessoas não sentem muito pelo que aconteceu, mas poque têm respeito pelo drama do outro, pela infelicidade que, vejam só, pode sortear qualquer um. Porque, principalmente, se colocam no lugar e, tenho quase certeza, não gostariam de estar servindo de entretenimento barato para a curiosidade fétida de quem está no sofá de casa. Ou gostariam? E se fosse com sua família, seus amigos, com você mesmo?
Em março do ano passado, meu tio materno sofreu um atropelamento horroroso por uma motocicleta, que o deixou com um problema gravíssimo na perna direita. Na noite do ocorrido, ficou inconsciente numa avenida movimentada da cidade, à espera de socorro. E, como não deixaria de ser, foi fotografado pra caralho. Bacana, né? Fotos dele com a perna esfacelada correram as redes, tu viu o fulano, guria? Tem na página de não sei quem, vou te mandar. Tudo pelo bem noticioso, claro, eu que vejo maldade onde não tem.
Eu sei, sabe, que desde sempre a miséria do outro nos toma pelo braço. É algo psicologicamente cruel, mas muito verdadeiro. Só que, pensa, a gente pode se policiar. Ou viramos animais sem o mínimo de senso crítico? Ai, minha ingenuidade. Embora possa parecer, esse post não é por ciuminho de quem quer pagar de ''jornalista'', por favor, até porque essa face do jornalismo, de ter que cobrir catástrofes, ainda que a perceba necessária, me entristece com frequência. É pela banalidade mesmo, pela falta de critério, pela animalização virtual. É pelo nojo constante e genuíno do exército imbecil da curtida, o majestoso - e aparentemente invencível.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Família Felipe Neto

Eu já queria falar sobre isso há um bom tempo, e, enquanto não criar vergonha nessa cara e entrar num mestrado para matar minha curiosidade de por que caralhos as pessoas dão audiência para pessoas tão bizarras e nada a ver, a gente vai ter que escrever sobre isso aqui. Quando eu falo ''a gente'', me refiro a mim e às vozes que habitam minha cabeça, tá, queridos? Youtubers... youtubers... sim, Bruna, está acontecendo e faz tempo. Que desgraça essa gente! Ó, pai, por que me abandonaste? Quanto tempo eu dormi? Estamos vivendo uma era de espetacularização tão idiota, mas tão idiota que me faltam palavras, é sério, eu só consigo sentir - como diria o fatídico meme . Não tem a mínima condição de manter a sanidade mental, querendo estudar, trabalhar, evoluir quando pegar uma câmera, do celular mesmo, sair falando um monte de merda e enriquecer com isso ficou tão fácil. Vamos usar um case bem ridículo aqui? Vamos.  Dia desses, esta comunicóloga que vos fala, fazendo suas

Flores no lamaçal de creme de avelã

Tenho feito um severo exercício de autocrítica nos últimos tempos - exercício esse que, somado a um problema pessoal bem pontual, me deixou sem tesão algum de escrever. Mas voltei para uma transadinha rápida e certeira. Um mea culpa inspirado nos velhos tempos - desta vez sem o deboche costumeiro. Realmente quero me retratar. H á alguns meses, q uando escrevi, estupefata de indignações diversas, sobre youtubers, eu nunca estive tão certa do que escrevia. Sigo achando que o Youtube amplificou a voz dos imbecis e vem cooptando principalmente crianças a uma sintomática era da baboseira - entre trolladas épicas envolvendo mães e banheiras cheias de nutella , criou-se um nicho bizarro cujo terreno é a falta de discernimento infantil infelizmente. Só que foi aí que residiu meu erro: reduzir a plataforma a um lamaçal de creme de avelã - e nada mais. Não me ative ao fato de que ali coexistem muitos canais interessantíssimos sobre os mais diferentes ramos do conhecimento hum ano , inclusive

Era só ter colocado na lista

Vou fazer uns pães de queijo. Bah, não tem queijo. Mas tu não foi ao mercado? Fui... Silêncio.  Tu não compra nada que não esteja na lista? Não.  Entendi boa parte da vida nesta pérola da crônica familiar, que deve ser realidade em muitos lares brasileiros. E é. Homens num geral não vivem realmente nos lugares que habitam, consideram-nos hotéis, um respiro onde comem, dormem e passam um pouco de tempo inertes, antes de voltar ao que de fato interessa: construir prédios, gerenciar guerras, fabricar cerveja artesanal, proibir mulheres de abortarem, dominar a política, etc. Mesmo que queiram ardentemente uma fatia de queijo mais tarde. É claro que há exceções (eu sei que nem todo homem , fica na paz de Santa Cher aí, irmãozinho), provavelmente os que moram sozinhos e se obrigam a pensar sobre trivialidades da casa, afinal, ninguém fará por eles. Entretanto, em se tratando de famílias formadas por casais heterossexuais com filhos, algo muito forte me diz que o diálogo