A gente diz que já esqueceu fulano, que o tempo do fulano já passou, que cansou de esperar fulano se decidir se pegava o bonde ou ficava, que hoje vê o quanto foi burra por insistir em algo que não tinha futuro. A gente vive dizendo coisas em que não acredita e que não sente de verdade. No meu caso, reconheço, cometo essa sandice contra mim mesma com certa frequência. E, se chamo de sandice, é pelo fato de que isso mais me perturba que me faz sentir sem amarras.
Em se tratando do “fulano”, que a gente jura para as amigas já ter enterrado, é cruel, a gente se engana, sofre orgulhosamente, mas não dá o braço a torcer. Esqueceu, ok, não é bom remexer no passado, mas ele continua lá, quietinho na dele, no lugar onde também estão as dores que guardamos. Mas por que ficamos em pânico ao ver o talzinho novamente e suamos frio ao nos darmos conta da iminência de um encontro casual? Por que, hein, céus? Será pelo resquício latente de um sentimento que enchemos a boca para falar que morreu? Santa ingenuidade, é pior se enganar. Esquecemos, nunca mais, que alguém ouse dizer o contrário, mas continuamos vigiando seus passos, bolando estratégias para encontrá-los na rua, planejando ir a festas com o intuito de tentar uma nova aproximação. Vai que dessa vez a coisa engrene. Quem pretendemos enganar? É dureza tentar fingir indiferença, não há coisa mais sufocante para nós, “grandes fingidores”, os atores de ocasião, que, por falta de vergonha na cara ou, vai saber, excesso de fé, tentam a todo custo mostrar como estão conformados.
Essa matáfora até me faz lembrar de uma música, originalmente, gravada pelo grupo The Platters, mas que prefiro na voz do grandioso Freddie Mercury, “The Great Pretender”, em que há versos que ilustram bem o que escrevo:
Oh yes I’m the great pretender
Adrift in a world of my own
I play the game but to my real shame
You’ve left me to dream all alone
Adrift in a world of my own
I play the game but to my real shame
You’ve left me to dream all alone
Em bom português, trata-se de um grande fingidor, que se esconde em seu próprio mundo e que descobre estar jogando um jogo, há muito tempo, sozinho. Quem nunca se sentiu assim? Realmente, dói cair na real de que a gente não só joga esse jogo sozinho como não conta sequer com uma plateia para nos apoiar. Nossa, onde quero chegar afinal? Nem eu sei, mas precisava falar do quanto me incomoda esse jeito como ajo, às vezes. Fingindo que esqueci não só o “fulano”, como também todas as grosserias de que fui vítima, os enganos que me prejudicaram, os desencontros que custaram um momento, as falhas que me fizeram chorar desconsolada. Tanta coisa que eu relevo e, tenho certeza, muita gente também. Parece mais fácil vender uma imagem de seguro e superior que admitir: sim, estou perdido, confuso e p. da vida, me indique uma saída.
Grandes fingidores, atores de uma vida que não é a nossa de verdade. Mas como adotar uma postura nova diante de tanta mesmice? E como ignorar o fulaninho, aquele do início da crônica, quando a gente sabe que nada morreu e muito menos está enterrado?
Comentários
excelente post!