As fotos não mentem: ela havia sido um bebê fofo. Nossa, que menina graciosa e dotada de movimentos angelicais: bochechas convidativas, olhares espertos, trejeitos açucarados para qualquer estranho. Esboços de palavras proferidos com o melhor da meiguice infantil. Uma lady do berçário. Fofa! Sem mais. Quem viu, corrobora.
Porém, bastou uma passagem de tempo e lá se foi a fofura. Começava a era da obscuridade. A criança passou a falar com propriedade. E, falando, passou a presentear a família e os agregados com pérolas descabidas. Os pais imploravam por compaixão, para que fosse uma garotinha tímida como as outras. Que nada! A não fofa sabia que tinha uma missão a cumprir. Contava causos cabulosos em aniversários, piadas em casamentos, dava uns cascudos lendários nos primos menores - eternizados em filmagens dessas reuniões de parentes, aliás - fazia umas artes terríveis no quintal da sua infância e intrigava a todos com sua língua ferina, que, diga-se de passagem, a transformou em uma adolescente também desprovida de fofura. Inquieta, passou a opinar sobre qualquer coisa. A responder perguntas de forma atravessada e displicente, munindo-se de uma extasiante e particular maneira de ver a vida. Não tinha vergonha de falar com estranhos, nem sentia a face corar por qualquer ladainha. Nunca teve problemas em apresentar trabalhos no colégio, comprava briga com qualquer um que ousasse roubar do seu time. Era temida pelas coleguinhas. Não pela compleição física, e, sim, pela combinação explosiva de não fofura com declarações desconcertantes: “Não fala com ela, não. Ela grita! Outro dia, ela discutiu com a professora e chamou a coitada de Free Willy mal amado, essa esquisitona de uniforme!”
O engraçado é que ela sempre foi fã inveterada de exemplares masculinos dotados de fofura em níveis estratosféricos. Daqueles que carregam violões nas costas e canções carregadas de simbolismo no inconsciente. Dos que leem para alimentar a existência e usam umas camisetinhas cretinas com dizeres apocalípticos. Dos fofos que insistem em não ser fofos, mas não conseguem esconder a fofura por muito tempo e deixam escorrê-la no canto dos olhos, justamente quando o mulherio está distraído - e só as observadoras a capturam no ar. Vai entender. Durante certo tempo, perguntou-se por que nunca fora fofa. Raios! Qual o segredo da fofura, que ela tanto desconhecia? Nunca foi fofa. Não sabia ser fofa. A arte de ser agridoce, dominava, ok. Mas a de ser fofa, putz... faltou a essa aula, certeza. Sofreu terrivelmente de amor ao longo dos agoniantes anos escolares, lógico, mas nem assim teve dias de fofa. Tratava de ler algum livro, conversar com algum amigo imaginário, escrever abobrinhas sacanas e não fofas em algum diário velho, para aplacar a dor. E até que passava. Nenhum gostosão mirim soube do buraco que provocou na alma da menina, ainda que sua paixão mal resolvida pelo artilheiro mais másculo da história dos jogos interséries ecoe até hoje por esses becos da vida colegial. E um pouquinho em suas lembranças casuais.
No fundinho, não quer ser fofa. Ser dona de gestos cinderélicos e meigos e queridos e doces e engraçadinhos e zás? Ela não sabe. É estabanada, verborrágica, vive no mundo da lua, tropeça em qualquer coisa inanimada, senta no chão, fica elétrica e dispersiva quando apaixonada, ri alto e emudece pessoas que estão acostumadas só com as fofas - vulgo insossas de plantão. Será sempre uma não fofa incorrigível. Talvez só quisesse mesmo é ver como é o lado de lá, esse mundo da fofura que parece tão tentador e mágico - ao menos para ela, que ignora outro jeito de viver por aí.
Porém, bastou uma passagem de tempo e lá se foi a fofura. Começava a era da obscuridade. A criança passou a falar com propriedade. E, falando, passou a presentear a família e os agregados com pérolas descabidas. Os pais imploravam por compaixão, para que fosse uma garotinha tímida como as outras. Que nada! A não fofa sabia que tinha uma missão a cumprir. Contava causos cabulosos em aniversários, piadas em casamentos, dava uns cascudos lendários nos primos menores - eternizados em filmagens dessas reuniões de parentes, aliás - fazia umas artes terríveis no quintal da sua infância e intrigava a todos com sua língua ferina, que, diga-se de passagem, a transformou em uma adolescente também desprovida de fofura. Inquieta, passou a opinar sobre qualquer coisa. A responder perguntas de forma atravessada e displicente, munindo-se de uma extasiante e particular maneira de ver a vida. Não tinha vergonha de falar com estranhos, nem sentia a face corar por qualquer ladainha. Nunca teve problemas em apresentar trabalhos no colégio, comprava briga com qualquer um que ousasse roubar do seu time. Era temida pelas coleguinhas. Não pela compleição física, e, sim, pela combinação explosiva de não fofura com declarações desconcertantes: “Não fala com ela, não. Ela grita! Outro dia, ela discutiu com a professora e chamou a coitada de Free Willy mal amado, essa esquisitona de uniforme!”
O engraçado é que ela sempre foi fã inveterada de exemplares masculinos dotados de fofura em níveis estratosféricos. Daqueles que carregam violões nas costas e canções carregadas de simbolismo no inconsciente. Dos que leem para alimentar a existência e usam umas camisetinhas cretinas com dizeres apocalípticos. Dos fofos que insistem em não ser fofos, mas não conseguem esconder a fofura por muito tempo e deixam escorrê-la no canto dos olhos, justamente quando o mulherio está distraído - e só as observadoras a capturam no ar. Vai entender. Durante certo tempo, perguntou-se por que nunca fora fofa. Raios! Qual o segredo da fofura, que ela tanto desconhecia? Nunca foi fofa. Não sabia ser fofa. A arte de ser agridoce, dominava, ok. Mas a de ser fofa, putz... faltou a essa aula, certeza. Sofreu terrivelmente de amor ao longo dos agoniantes anos escolares, lógico, mas nem assim teve dias de fofa. Tratava de ler algum livro, conversar com algum amigo imaginário, escrever abobrinhas sacanas e não fofas em algum diário velho, para aplacar a dor. E até que passava. Nenhum gostosão mirim soube do buraco que provocou na alma da menina, ainda que sua paixão mal resolvida pelo artilheiro mais másculo da história dos jogos interséries ecoe até hoje por esses becos da vida colegial. E um pouquinho em suas lembranças casuais.
No fundinho, não quer ser fofa. Ser dona de gestos cinderélicos e meigos e queridos e doces e engraçadinhos e zás? Ela não sabe. É estabanada, verborrágica, vive no mundo da lua, tropeça em qualquer coisa inanimada, senta no chão, fica elétrica e dispersiva quando apaixonada, ri alto e emudece pessoas que estão acostumadas só com as fofas - vulgo insossas de plantão. Será sempre uma não fofa incorrigível. Talvez só quisesse mesmo é ver como é o lado de lá, esse mundo da fofura que parece tão tentador e mágico - ao menos para ela, que ignora outro jeito de viver por aí.
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