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Senza fine

         Nós fomos um porre, cuja ressaca ainda provoca alucinação e dor de cabeça. Nós fomos um vendaval, um dia de calor escaldante, um típico feriado de outono. Nós fomos o incenso que queimou e só deixou o cheiro impregnando o ambiente. Nós fomos chuva com sol, culpa e redenção. Nós fomos mais que cúmplices, fomos membros de uma seita secreta. Nós fomos a turnê que foi cancelada, os ingressos de uma peça que nunca foi ensaiada. Nós fomos uma cena do Tarantino, daquelas bem ridículas e fascinantes. Fomos uma tela audaciosa do Dalí, um parágrafo de um livro do Freud que encalhou na prateleira, porque assustou muita gente.
          Nós fomos equação sem solução, uma questão dissertativa, cuja resposta não convenceu a professora. Nós fomos a música que a gravadora dispensou por ter um refrão incompreensível e ser pouco comercial. Nós fomos inconsequência travestida de lugar-comum, uma poesia concretista, uma barra de chocolate meio amargo. Nós fomos marketing viral, pauta sem fonte, fonte sem nome, nome sem dicionário, dicionário sem biblioteca. Fomos eu e você só que ao contrário. Nós fomos o contrário do que sempre foi. Nós fomos aquele machucado que cicatrizaria, caso fosse tratado, mas ninguém soube como cuidar. Nós fomos figura de linguagem, um belo apagão em pleno baile de carnaval.
           Nós fomos etecetera que sumiu sem dizer a que veio. Fomos história que estava se contando aos poucos, mas todo mundo desistiu de escutar. Nós fomos comédia pastelão, garganta seca implorando por um gole de água. Fomos beco sem saída, trânsito congestionado, sinaleira com defeito. Fomos um neologismo esquecido, letargia a brincar com os sentidos. Fomos João e Maria enfrentando os batalhões e os alemães e seus canhões. Fomos gargalhada e dentada na maçã da luxúria, para quê? Porque fomos senza fine.  


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